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A “Literatura Nativa” em foco: uma entrevista com o escritor Olívio Jekupé a partir do texto "O índio escritor será que existe?"

Por:

Ângela Viana de Sousa Silva (Mestranda UERN/PPGL)

Jeane Virgínia Costa do Nascimento (Doutoranda UERN/PPGL)

Dr. Sebastião M. Cardoso (UERN/PPGL/PPCL)

 

 

A PODES - Associação de Estudos Pós-coloniais e Decoloniais no ensino, na cultura e nas literaturas Sul-Sul - entrevista o escritor Olívio Jekupé, um dos representantes e dos mais engajados escritores da “Literatura Nativa” no Brasil, como o próprio sugere ao termo que, convencional e genericamente, se denomina “Literatura Indígena Brasileira”. Essa entrevista foi motivada, dentre outras coisas, a partir da resposta-denúncia e literária de Jekupé ao episódio de racismo e de preconceito que o escritor e sua família sofreram ao participar de um evento realizado pela FLIP em 2013.


PODES: Com essa pergunta "O índio escritor será que existe?", você escreveu um texto semelhante a uma crônica tanto na forma quanto no conteúdo. Nesse texto, conforme você afirma, sua intenção era apresentar ao público brasileiro o preconceito que há em relação aos povos indígenas. Sabemos que a resposta para a sua pergunta é: sim, indígena escritor existe. Eu sou um. Existem vários outros indígenas escritores também. Diante de tal contexto e da constante tentativa da sociedade em invisibilizar os povos indígenas e suas culturas, como você se sente diante dessa realidade?

 

Olívio Jekupé: Isso daí não é ficção e aconteceu de verdade. Então resolvi escrever a própria realidade que experimentei quando fui convidado para dar uma palestra na FLIP. No momento em que eu e meus filhos fomos almoçar e, de repente, os caras não deixaram a gente entrar. Achei estranho porque eu tinha um cartaz, o crachá que permitia o acesso ao local onde todos os escritores iriam almoçar. Na hora não entendi o porquê que fui impedido de almoçar com os demais escritores. Só no dia seguinte é que fui perceber que houve discriminação. Eles não acreditaram que eu era escritor. Imagina! Um índio! Porque ali só tinha escritor famoso, americano, canadense, europeu e daí, de repente, vem um índio com dois filhos e de short e chinelo. Isso que aconteceu comigo é uma realidade no Brasil, porque o surgimento dos escritores indígenas é uma coisa nova. Então como a gente sempre sofreu preconceito, a gente é visto como um povo atrasado. Somos vistos como se fôssemos incompetentes. Dessa forma, como pode um índio participar da FLIP? Eu me senti humilhado naquele dia. Por causa dessa situação, eu escolhi o tema: Escritor indígena? Será que existe? Claro que existe. Que na verdade nós somos um pouco contador de história. E, o contador de história já é um escritor. Só que, na realidade, parte da sociedade não acredita que o índio tem capacidade para escrever. Por isso eu coloquei essa temática em questão. Mas existe sim escritor indígena e os brasileiros não conhecem. É preciso que as pessoas vejam que, nós indígenas, estamos no mesmo caminho que outros escritores escrevendo e mostrando o nosso trabalho.  E eu fiquei feliz pela FLIP ter me convidado e triste por ter sido barrado por dois seguranças. Era uma mulher e um homem que não nos deixaram entrar, porque não acreditaram que eu era escritor.

 

PODES: Quais são os objetivos, para além de estéticos, de seus textos?

 

Olívio Jekupé: Ah! O meu texto? Eu tento escrever sempre conforme a inspiração e esse texto que eu escrevi foi uma realidade. É um texto pra mostrar o preconceito que a gente sofre. Isso acontece porque as pessoas não acreditam na gente (escritores indígenas). E mais, o meu texto é uma forma de mostrar a todos eles que eu escrevo. Como estética de conscientização, porque, a beleza é a consciência. Portanto, quando as pessoas leem meus textos eu fico feliz. Quando eles (leitores) falam comigo “nossa o seu texto é muito bom!” É uma sensação muito boa que sinto. Sinto uma alegria enorme e a gente tem a certeza de que não escreveu em vão; que a gente escreveu com inteligência para mostrar às pessoas que nós, indígenas, também somos capazes de mostrar nossa história, para que dessa forma, as pessoas possam entender a cultura indígena através da literatura nativa que nós escrevemos.



PODES: Como as pessoas não indígenas veem o fato de você escrever textos de sucesso?

 

Olívio Jekupé: Bem, eu não sei se eu sou conhecido no Brasil. Eu comecei a escrever em 1984 e até hoje estou escrevendo e batalhando e divulgando e sempre sonhando que meus livros possam chegar às escolas e também que cheguem às aldeias porque é um jeito de os professores indígenas trabalharem. Em relação às cidades, eu fico feliz quando um livro meu chega às escolas e elas, as escolas, me procuram pra dar palestra porque eu sei que as pessoas precisam conhecer a cultura indígena. Acredito que é por causa da literatura nativa que nós escrevemos que somos chamados para falar sobre nossa história e sobre os nossos livros. Isso me deixa muito feliz porque é sinal de que o livro está fazendo sucesso. Cada livro que eu escrevo é uma alegria muito boa pra mim porque a gente que escreve se sente feliz quando percebe que o público está gostando. E, até hoje, todos os livros que eu escrevi que as pessoas compram e vão conversando comigo ou mandam mensagens vão me deixando mais feliz ainda porque sinto que a minha missão de conscientizar a sociedade através da literatura nativa é muito importante. Chegando até o leitor, ele vai entender o porquê de eu escrever como escrevo. Tudo tem um significado. Então uma forma de mostrar a cultura de conscientizar e de trazer conhecimento para as escolas e, em especial, aos professores, porque, são eles que podem ler nossos livros, ler conhecimentos para falar com mais clareza para seus alunos. Antes de nós indígenas publicarem livros, as pessoas já falavam sobre nós nas escolas. Só que essas falas eram genéricas. Em forma de ficções que escritores não indígenas vão criando e que, às vezes, pode até criar preconceito como a gente, vê no José de Alencar que escreveu sobre O Guarani, e a gente não conhece esse Guarani. Então, até hoje se criou uma ficção que faz com que as pessoas pensem que O Guarani é do jeito que o José de Alencar escreveu. Acredito que, nós indígenas, escrevendo às pessoas, vão entender melhor como é o nosso pensamento.

 

PODES: Você não concluiu o curso de Filosofia. A não conclusão está relacionada às dificuldades no âmbito acadêmico? Além disso, você acha que Filosofia da “academia” está muito distante da Filosofia indígena?

 

Olívio Jekupé: Na verdade quando eu entrei na faculdade de Filosofia, naquela época não existiam cotas indígenas e eu passei muita dificuldade ao começar os estudos na PUC. Eu não tinha condições de pagar o curso. Depois consegui fazer uma transferência para a USP. Fiquei lá, mas, continuou muito difícil pra mim porque com dificuldade econômica, a gente passa muito sufoco na USP. Ela não é uma faculdade para pobres, é para ricos. Os ricos têm acesso a tudo; os pobres não tinham acesso a quase nada. Por causa de situações como essas e por passar muitas dificuldades, eu fui obrigado a desistir. Na época, minhas economias não me deram suporte para continuar estudando, então, fui pra aldeia e fiquei por lá e não voltei mais a estudar. No entanto, o que me deixa feliz é que, mesmo não terminando o curso, eu aprendi muito com a Filosofia e hoje a minha escrita também está muito influenciada por ela. Entretanto, é uma Filosofia indígena porque a Filosofia do Ocidente a gente precisa estudar pra ter conhecimento e nós, indígenas, temos a nossa própria Filosofia. Por essa razão, quando eu escrevo literatura eu escrevo seguindo uma cultura e um pensamento filosófico indígena. Nós temos que ser valorizados porque também temos nossos pensamentos, nossas ideias e, às vezes, as pessoas não nos entendem e costumam falar que: “ah um índio não faz Filosofia eles fazem Mitologia”. Não. Mitologia e Filosofia têm a mesma essência. A forma de falar a Mitologia na verdade é a nossa Filosofia, então, nós também somos pensadores. Eu fico feliz porque eu tenho minhas ideias, meus pensamentos e hoje muitos estudiosos no Brasil como universitários, mestrandos, doutorandos estudam minhas obras e analisam meu pensamento.

 

PODES: Você acredita que a expressão da literatura indígena precisa estar vinculada ao conhecimento acadêmico?

 

Olívio Jekupé: Eu não gosto de falar literatura indígena porque a literatura indígena é aquela que os não indígenas escrevem, desde o passado, e continuam escrevendo. É às vezes uma literatura criada a partir de ficções que eles não conhecem. Nós indígenas escrevemos uma literatura nativa, um pensamento nosso. Então é muito importante que a nossa literatura chegue ao mundo acadêmico, pois, nesse meio, mestrandos, doutorandos podem nos estudar e refletir um pouco sobre as nossas ideias. Fico muito feliz quando os universitários me procuram para ajuda-los em algum trabalho. Sei que esse trabalho vai dar visibilidade à literatura nativa e, conforme os pesquisadores, vão escrevendo, mais ainda o nosso pensamento vai sendo propagado para além das universidades. É preciso que os professores criem quem sabe um curso, uma disciplina para falar sobre a literatura nativa dos povos indígenas no Brasil pra que as pessoas possam entender melhor o nosso pensamento, a nossa cultura e escute, por meio de outras vozes, a nossa voz.

 

PODES: Como você avalia a sua trajetória como indígena escritor do início aos dias atuais? Vivenciou muito racismo e preconceito por ser indígena?

 

Olívio Jekupé: Quando eu comecei a escrever em 1984, estava começando a surgir alguns escritores da literatura nativa. Na época eu passei muita dificuldade porque eu não tinha experiência e também as editoras não estavam interessadas em publicar livros com assuntos indígenas. As editoras estavam interessadas em publicar livros de quem fazia doutorado em antropologia. Publicavam os livros dessas pessoas. Passei muita dificuldade para publicar o meu primeiro livro. Foi uma publicação independente de poesia que aconteceu no ano de 1993. Só depois de cinco livros publicados de forma independente, foi que eu, com muita dificuldade, consegui entrar nas editoras e começar a mostrar os meus trabalhos. Hoje houve um crescimento significativo de escritores da literatura nativa. Isso é muito bom para nós. Esperamos que a nossa literatura possa crescer cada vez mais e através dela, surjam outros escritores. É importante que as bibliotecas do Brasil tenham muitos e muitos livros de autores indígenas para que as pessoas possam ler nossas obras. Eu, quando vou às bibliotecas, percebo que pouco ou quase nada se vê na parte da literatura indígena. Há poucos autores indígenas e poucos livros de não indígena também. Então, é importante que haja um crescimento desses livros que falam sobre a questão indígena para que o brasileiro possa entender a cultura brasileira e que a cultura brasileira é a cultura indígena. As pessoas precisam entender que houve uma mudança do cenário literário brasileiro em relação à literatura nativa. Esperamos que haja mais crescimento dessa literatura. Infelizmente, a gente sabe que ainda existe um forte preconceito contra a gente, contra a nossa escrita, mas é trabalhando de boca em boca que nossas ideias, nossos pensamentos e nossos livros vão chegando ao público em geral.

 

PODES: Você atribui o racismo e preconceito contra os indígenas, sobretudo àqueles que promovem a própria cultura?

 

Olívio Jekupé: Essa questão do preconceito que a gente sofre começou em 1500 desde a chegada dos portugueses, quando eles invadiram esse país. Isso é o que nós, na verdade, temos que falar. O Brasil foi invadido desde 1500, quando, no Tratado de Tordesilha, em 1494, já havia um acordo de que este território pertenceria a Portugal e, com a chegada deles, inicia o preconceito que durou séculos e continua vingando até hoje. Por isso é que a nossa literatura tem essa função de mostrar para sociedade como é o pensamento indígena que, às vezes, não é entendido. É por meio da literatura que a gente vai conseguir chegar ao pensamento de como é cada povo. No Brasil, as pessoas não entendem o indígena nem quando ele é um intelectual. Essas pessoas formam um preconceito acerca da literatura indígena. Isso se dá porque os povos indígenas no Brasil sempre sofreram vários tipos de preconceito e não vão acabar assim tão cedo. Assim, a literatura nativa tem essa missão de conscientizar a sociedade.   

 

PODES: Para você, manter os indígenas em seus territórios seria uma forma de preservação ou de eliminação lenta aos olhos da sociedade que não aceita a sua existência como povo nativo? 

 

Olívio Jekupé: Uma das motivações que nos fazem viver nas aldeias é porque, às vezes, as pessoas não entendem a ligação que temos com o nosso território. Eles falam do índio lá na mata “Por que o índio não vem pra cidade se dar pra viver por aqui?” O índio também pode sair da aldeia, ir à cidade estudar e também voltar para aldeia. Se o índio que estuda volta para aldeia, ele é uma pessoa de conhecimento. Esse conhecimento será repassado para as lideranças que há na aldeia. Com esse conhecimento o índio traça estratégias para lidar com o preconceito - uma coisa grande que sempre vai existir. E o índio, estudado também, terá o conhecimento como uma arma em defesa de si mesmo e de seu povo. É importante ressaltar que, quando a gente fala em demarcação de terras indígenas, pretendemos fortalecer nossos povos através do conhecimento, portanto, quanto mais o indígena conhecer, melhor será para ele enfrentar o mundo a fora. Na política governamental, nossa situação é bem complicada, porque a gente sabe que muitos indígenas no Brasil sofrem em suas próprias aldeias por não entender o português e por só falar em sua língua nativa. De posse do conhecimento, adquirido através de estudos, isso facilitará o trabalho de todos na aldeia. Reforço que é importante o índio estudar, ter conhecimento e toda essa base para poder fortalecer o alinhamento no sentido de defesa de seu povo.

 

PODES: Você já conversou com Ailton Krenak sobre as questões relacionadas aos povos indígenas no atual governo? Quais são os pensadores indígenas que você mais admira?

 

Olívio Jekupé: Quanto a Ailton Krenak, sim, já conversei muitas vezes sobre essas questões. Eu sempre o acompanho, e os seus trabalhos, que é um dos maiores filósofos da atualidade e uma pessoa que eu admiro muito, inclusive eu fico muito feliz, porque todas as vezes que eu dei palestra com Ailton, ele sempre me elogia ao público. Ele fala que eu sou o escritor predileto dele. O Ailton conhece todos os escritores indígenas do Brasil. Ele sempre fala (você mesmo pode perguntar pra ele e ele vai falar) que eu sou o escritor predileto dele. Até em textos já está escrito e ele comenta isso sobre mim.  O Ailton é uma pessoa boa como intelectual e como um filósofo, mas temos outros escritores bons através da fala. Tem uma pessoa que admiro muito, é o Marcos Terena, que é um grande escritor. Ele escreveu o posfácio do meu livro que se chama A História de Kayru, publicado em março deste ano. Tem também uma grande filósofa - ela não vai gostar da palavra que eu falo filósofa – mas é minha esposa. Ela é uma grande pensadora do discurso. Chama-se Jovina Renhga, do povo Kaigang. As mulheres também estão aí na luta. Essas mulheres são grandes guerreiras e, através de suas lutas, a gente vai conhecendo a força dos escritores e das escritoras indígenas. Essas são pessoas que admiro, mas também tem outras pessoas muito importantes que estão sempre na luta, porque o mundo indígena é sempre assim, sempre teremos a vida lutando pela causa indígena e, assim, a gente vai levando a vida batalhando, porque a luta não para. A população brasileira é muito grande e a gente tem que ficar sempre nessa luta por reconhecimento e visibilidade. É lutando pela demarcação, mesmo que o povo não entenda o que representa para nós, de uma área indígena no Brasil que a gente vai trazendo o bem não só para nós indígenas como para todos e para o mundo todo, pois o mundo tá precisando, hoje, de floresta e, onde se tem floresta no Brasil é nas áreas indígenas. Concluo dizendo que, no lugar de criticarem a gente, as pessoas deveriam era valorizar nossos esforços e nossas lutas.

 

PODES: Como a pandemia da Covid-19 tem sido enfrentada em seu território? De que forma esse fato influenciou sua escrita?

 

Olívio Jekupé: Pois é, a pandemia é um tema importante para a gente falar aqui agora, porque, quando eu falei anteriormente que o mundo precisa de floresta e se a gente tem hoje essa covid que está afetando o mundo, a culpa é da do destruidor de florestas. A floresta ela é a nossa proteção. É dela que tiramos os remédios, é nela que podemos encontrar tudo que a gente pode usar para a cura de nossas doenças. A pandemia afetou muitas aldeias no Brasil. Eu também tive covid, mas graças à medicina do mato, da floresta, eu me curei. Hoje não tenho medo, porque sei que quando a gente pega uma doença tem que correr atrás da floresta onde está a nossa cura. Essa pandemia, ao chegar ao Brasil, afetou muitos indígenas e vários morreram, inclusive um grande líder no Brasil faleceu, o Paulin Paiakan. Temos também o Carlos Terena que foi um grande líder que lutou aqui em defesa dos povos indígenas. São muitos indígenas que morreram por causa dessa doença que chegou e, quando ela vem, ela não escolhe cara, quem tiver na frente pega e quem teve a covid sabe muito bem como ela é maldosa. Então eu reforço que a gente precisa proteger a floresta.

 

PODES: Como você pretende sensibilizar a sociedade brasileira para a preservação da história do povo indígena?


Olívio Jekupé: Eu acredito que para sensibilizar a sociedade hoje, a gente pode usar várias formas. Eu escolhi sensibilizar o povo da literatura nativa, porque ela tem essa missão de conscientizar a sociedade. Quando a gente mostra os nossos trabalhos, tentamos emocionar as pessoas. Você, que lê um texto e fica emocionado com a história que eu contei, me alegra muito. Todos os livros que eu publiquei até hoje, eu sempre recebi elogios e isso é bom, porque a gente sabe que está sensibilizando o povo brasileiro e fazendo com que ele entenda melhor o povo indígena do Brasil. Como eu falei em momento anterior, as pessoas no Brasil pouco ou nada sabem sobre artista indígena; sobre os problemas da cultura; sobre o seu pensamento e sobre a sua filosofia. Lendo nossos livros, as pessoas vão se sensibilizando a partir de nossa ideia. O que nós escrevemos representa o que nós pensamos, assim ou não assim... Certo!

PODES: Qual a sua relação com o rap? Ela surgiu a partir de seu filho ou foi você quem o influenciou?


Olívio Jekupé: Bom quanto ao rap, não fui eu quem influenciou o meu filho. Na verdade, o meu filho era pequeno e gostava de ouvir o Bro MC e também gostava muito de ficar ouvindo os Racionais Mano Brown. Um dia, de repente, ele pegou um livro meu chamado 500 anos de angústia e ele leu minhas poesias, ficou impressionado e começou a escrever os poemas também. Ele escreveu sem entender nada. Seu primeiro poema foi em rima. Depois começou a cantar sozinho o poema que fez e, ao cantar, percebeu que tinha um jeito de rap. Naquela época eu não gostava de ouvir rap, mas, quando meu filho começou a cantar esse estilo musical, comecei a me interessar pela música e hoje eu gosto de ficar ouvindo o rap não só do meu filho como também dos Bro MC, Oz guarani e de outros indígenas que surgirem. Fico muito feliz pelo rap também representar uma grande luta. Assim como falei que a literatura nativa tem a missão de conscientizar a sociedade, nós ouvimos hoje o rap como uma arma de defesa também. Sou muito feliz por meu filho ser um grande mito hoje no Brasil. Falo no sentido de ser conhecido pelo povo de todo o canto do Brasil, e também no exterior.


PODES: De onde surgiu a ideia do hibridismo cultural expresso por meio do rap? Qual a intencionalidade dessa expressão cultural?


Olívio Jekupé: Bom, quando meu filho começou a escrever rap, ele tinha dificuldade muito grande, porque não entendia bem o português. Então ele começou a escrever misturado e escrevia um pouco em português e um pouco em guarani. Esse era o jeito dele conseguir entender suas próprias composições. Isso foi muito bom e facilitou um pouco em seu processo de composição de suas canções. Com o passar do tempo, ele começou a cantar o rap só em português; outra misturada – português e guarani –; depois outros raps só em guarani. Algumas vezes, nos videoclipes dele, aparece a legenda em português para as pessoas entenderem o que ele está cantando. Dessa forma, a gente vê que, na verdade, é bom misturar essas três coisas: rap que ele canta só em português; outra misturada para as pessoas entenderem um pouco da língua guarani. Acho importante, porque quem é guarani vai entender o que ele tá falando e o não indígena vai perceber que ele tá falando em guarani, porque, às vezes, têm muitas pessoas no Brasil que pensa que a língua indígena ou a língua guarani não existe. Entretanto, quando ele canta mostra para as pessoas que a força do rap também está no guarani. Meu filho canta na língua dele mesmo. Antes ele era conhecido como Kunumi e agora ele trocou e se chama Owerá Oficial. É importante ter os três estilos como eu já falei que ele foi criando naturalmente: português; português e guarani; guarani.


PODES: A Associação agradece imensamente por sua disponibilidade e cordialidade, e esperamos ver você, Olívio Jekupé, em breve no SILAM/2022, trazendo mais conhecimento, literatura e cultura para todos nós.

 

Mossoró, 02 julho de 2022.

 

Olívio Jekupé estará no I SILAM (Simpósio de Literaturas e Artes Ibero- americanas, Afro-latinas e Ameríndias), evento organizado pela PODES/UERN, em 23 de agosto de 2002. Veja programação completa aqui: https://www.podes.website/programacao-geral-do-silam-2022


Link de acesso ao texto “O índio escritor será que existe?”, de Olívio Jekupé [in Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, e5772, nov. 2021]: https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5772


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