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UMA ENTREVISTA COM O ESCRITOR ABDULAI SILA A RESPEITO DE MEMÓRIAS SOMÂNTICAS


ABDULAI SILA - escritor bissauguineense


UMA ENTREVISTA COM O ESCRITOR ABDULAI SILA A RESPEITO DE MEMÓRIAS SOMÂNTICAS


Por:

José Lindomar da Silva (Doutorando UERN/PPGL)

 




      O escritor e engenheiro Abdulai Sila nasceu em Catió, pequena cidade ao sul da Guiné-Bissau, em 1º de abril de 1958. Além de seu engajamento com a alfabetização da população, é uma figura de notória importância na representação social da Guiné-Bissau através da literatura. Fundou, juntamente com Teresa Montenegro e Fafali Kouduwa, a primeira editora privada de seu país: a Ku Si Mon Editora. Teve ainda participação na fundação da revista Tcholona e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa – INEP. Considerado o primeiro romancista bissauguineense, com a publicação de Eterna Paixão (1994), se destacou também com as obras A última tragédia (1995), Mistida (1997), As orações de Mansata (2007), Dois tiros e uma gargalhada (2013), Memórias SOMânticas (2016) e Kangalutas (2018).

     Apesar de possuir uma rica literatura, a Guiné-Bissau ainda é pouco conhecida sob esse aspecto. Não são muitos os estudiosos que decidiram conhecer melhor esse território cultural do país, se compararmos tal cenário com Angola e Moçambique, por exemplo. A entrevista que se segue, feita com o escritor Abdulai Sila, tinha o propósito de esclarecer algumas questões estruturais e temáticas sobre Memórias SOMânticas, publicada em 2016. Dada a pouca existência de estudos no Brasil sobre a referida obra (veja CARDOSO, 2018, p. ex.), as questões buscaram esclarecer pontos substanciais para o melhor entendimento sobre o referido livro. A conversa aconteceu através de e-mails, em meados de julho de 2022.   

 

     Em relação ao título da obra, por que "Memórias SOMânticas"? Qual o significado específico de "SOMânticas"? Uma parte da palavra SOMânticas está escrita com letras maiúsculas, qual o significado desse destaque?

     O termo SOMânticas vem da justaposição de SOM + românticas. SOM é um acrónimo de SPEAK ONLY MEMORY, o que pode ser entendido como memória falada. Para uma melhor acepção dessa montagem, há que fazer referência ao início da minha carreira profissional, em meados dos anos 80. Trabalhando diariamente na instalação e configuração de computadores, lidava com todo o tipo de memórias, todas elas com iniciais em maiúsculas: RAM (memória de acesso aleatório), ROM (memória só de leitura), EPROM (memória programável somente leitura apagável), etc. Quando alguns anos mais tarde decidi escrever uma espécie de autobiografia falada, baseada na memória de uma mulher que, apesar de todas as contrariedades vivera uma vida cheia de paixões (daí o romântico), ocorreu-me o termo que depois adoptei como título do livro. 

 

     A personagem central de Memórias SOMânticas é uma enfermeira. De onde veio, exatamente, a inspiração para a criação dessa personagem?

     Embora com um percurso de vida algo ‘adulterado’, essa enfermeira existiu. A sua história, que inspirou o romance, foi-me contada no decurso de um outro projecto que tenho em andamento e que consiste no resgate e divulgação da epopeia da libertação do jugo colonial e de acontecimentos relevantes da nossa História recente, dando destaque ao contributo exemplar dos concidadãos que protagonizaram esses acontecimentos.

 

     Ao final de Memórias SOMânticas (página 121), o narrador faz referência a um indivíduo enganador (um djambatutu), um mentiroso. Em seguida, critica-se a “loucura profética” em oposição à “magia da narração”. Quem o narrador está tratando como mentiroso? O que seria essa loucura profética?

     Os que traíram, todos os que se alinharam com o opressor colonialista contra os interesses do nosso país e do nosso povo, são mentirosos. O sucesso da última fase da nossa luta de liberação nacional, isto é, a acção armada que durou mais de uma década e que culminou com a proclamação da independência, deveu-se em boa medida à contribuição de uma categoria especial de cidadãos: os músicos. Djambatutu é um pássaro, mas é também o título de uma das canções mais populares entre os guerrilheiros e que se refere em particular aos traidores. 

     “Loucura profética” não tem nada a ver com psicanálise ou com as teorias de Sócrates. Quando a narradora se apercebeu que as pessoas a tomavam injustamente por louca e que essa loucura estava associada a uma maldição (profecia), ela descobriu, já perto do final do livro, que a sua libertação (cura, reabilitação) só podia ser alcançada através da narração. Paradoxalmente, logo a seguir ela se declara louca. Mas louca por uma outra vida que estava para começar.

 

     Essas Memórias SOMânticas são as mesmas que o narrador de Mistida (p. 463) havia prometido, para revelar o que não foi possível naquele momento?

     Exacto! Quando Mistida foi escrito (1996) a intenção era publicar dois outros romances sobre a mesma temática, mas tal não foi possível devido à guerra que ocorreu no país em Junho de 1998. Depois de muitas voltas que a vida deu depois dessa guerra, Memórias SOMânticas foi finamente publicado em 2016, ou seja cerca de 20 anos depois. O terceiro romance ainda está para ser publicado…  

 

     O que diferencia Memórias SOMânticas de seus outros romances? Em que se assemelham?

     Tudo o que escrevo, seja romance ou drama, tem a mesma motivação, o mesmo destinatário e pretende, no fundo, veicular a mesma mensagem.

 

     O senhor considera que há uma relação entre história, memória e resistência em Memórias SOMânticas?

     Acho que a existir essa relação não serei eu a falar sobre ela. Deixo essa tarefa aos leitores e, eventualmente, aos críticos literários.

 

 

 

Referências:

 

SILA, Abdulai. Memórias SOMânticas. Bissau: Ku Si Mon Editora, 2016.

 

CARDOSO, Sebastião Marques. Um novo clássico pós-colonial? Apontamentos críticos sobre Memórias SOMânticas, novo livro de Abdulai Sila. In: CARDOSO, S. M; SILVA, E. K. S. da; CARVALHO, M. E. F. de (orgs.) Na casa da ficção: textos sobre cultura e literatura africana e afro-brasileira. Curitiba: CRV Editora, 2018. 


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